A lua Encélado, de Saturno, apresenta um oceano subterrâneo
aquecido coberto de gelo. Em uma extraordinária nova descoberta,
cientistas confirmaram a existência de uma fonte de energia química
imersa na água da lua que é capaz de sustentar organismos vivos aqui na
Terra. Encélado é agora oficialmente o melhor lugar além da Terra para
procurarmos por vida.
Hidrogênio molecular está sendo produzido no oceano de Encélado, de acordo com um novo estudo publicado nesta quinta-feira na
Science.
A origem mais plausível desse hidrogênio são reações hidrotérmicas
entre rochas quentes e a água do oceano sob a superfície congelada da
lua. Então, além de água aquecida, moléculas orgânicas e certos
minerais, essa lua também está produzindo uma fonte acessível de energia
que pode possivelmente suportar micróbios alienígenas.
De fato, sabemos que processos hidrotérmicos próximos a aberturas
vulcânicas podem sustentar complexos ecossistemas aqui na Terra. O novo
estudo marca um importante desenvolvimento na nossa capacidade de
analisar a habitabilidade em objetos celestiais distantes, enquanto
mostra o caminho para missões futuras.
Pouco observada em comparação com a lua congelada de Júpiter, Europa,
Encélado é um dos objetos mais fascinantes do nosso Sistema Solar. Uma
lua saturnina de tamanho médio que mede cerca de 504 quilômetros de
diâmetro, ela apresenta uma superfície geológica jovem e dinâmica. Por
estar em uma esfera excêntrica (não circular) ao redor de seu planeta
gigante gasoso, os cientistas acreditam que as forças gravitacionais
estão fazendo Encélado se deformar e contorcer, e que essas contorções
estão gerando calor no núcleo rochoso da lua.
O calor gerado por essas
forças de maré provavelmente é o que permite à lua sustentar água em
estado líquido — e muita água. Encélado pode ser coberta por uma casca
de gelo, mas por baixo da superfície se estende um oceano líquido cobrindo toda sua circunferência
de cerca de 60 quilômetros de profundidade. O oceano escondido, que
chega a ter 90º C no fundo, é uma das muitas razões que tornam Encélado um dos melhores candidatos para a vida extraterrestre.
|
Gêiseres em erupção através da superfície gelada de Encélado. (Imagem: NASA) |
Em
2005,
a sonda Cassini, da NASA, identificou plumas em erupção no terreno do
polo sul de Encélado, ejetando vapor de água e partículas sólidas de seu
oceano subterrâneo para o espaço. Em 2015,
a NASA enviou a Cassini para dar um mergulho profundo através desse
vapor, coletando informações valiosas com seus instrumentos,
especialmente o
Ion and Neutral Mass Spectrometer
(INMS). Análises químicas das plumas indicaram a presença de moléculas
orgânicas contendo hidrogênio, assim como sais e silicatos, o que
sugeria fortemente que um oceano de água líquida estava em contato com
um núcleo rochoso.
“Isso não nos diz se existe vida lá ou não, apenas apoia fortemente a teoria de um oceano capaz de sustentar vida.”
Em uma viagem seguinte
através das plumas, o INMS da Cassini foi deixado em um modo que
minimizava interferências nas medições da fonte de energia de hidrogênio
molecular, ou H2, durante voos anteriores.
Essa análise melhorou os
dados que os cientistas J. Hunter Waite, Christopher Glein, Jonathan
Lunine e outros receberam, confirmando que o hidrogênio molecular
detectado pela Cassini está de fato sendo produzido dentro de Encélado.
No que concerne descobertas científicas, isso é uma grande coisa.
Hidrogênio molecular é leve e quimicamente reativo, então não é o
tipo de coisa que apareceria normalmente em volta de uma lua sem uma
fonte para reabastecê-lo. A confirmação essencialmente significa que
algum tipo de processo químico está ativamente produzindo as moléculas
dentro da lua em si.
|
É possível que aberturas hidrotermais similares às que existem na Terra também existam em Encélado. (Imagem: NASA |
“No nosso artigo, olhamos para diversas maneiras como Encélado pode
estar produzindo hidrogênio molecular”, Lunine, astrônomo do Cornell
Center for Astrophysics and Planetary Science, disse ao Gizmodo. “O que
parece explicar as grandes quantidades de hidrogênio molecular
observadas é a reação no fundo do mar com certos tipos de minerais com
água quente, o que produz hidrogênio molecular.” Em outras palavras, uma
reação hidrotérmica.
“Cassini descobriu muito hidrogênio, tanto que ele deve estar sendo
produzido ativamente”, Lunine continua.
“Se a atividade hidrotérmica que
produz o hidrogênio molecular parasse, o hidrogênio molecular seria
consumido por reações até ter muito pouco sobrando, muito menos do que
foi observado pelo INMS.”
Se reações químicas hidrotermais são de fato responsáveis pelo hidrogênio molecular, isso quer dizer que o
metano anteriormente detectado
por Cassini pode ter sido gerado do dióxido de carbono (também
detectado pela Cassini) através de uma reação com o hidrogênio. Quando
Cassini voou através da pluma em 2015, mediu mais de 1,4% de hidrogênio
por volume de amostra, e até 0,9% por volume de dióxido de carbono.
Juntos, eles são um sinal de um processo chamado metanogênese, uma
reação metabólica que suporta micróbios em ambientes escuros embaixo
d’água na Terra.
“Essas reações entre água e minerais são o restaurante no fundo do
oceano de Encélado, fazendo comidas [por exemplo, hidrogênio molecular
(H2) e metano (CH4)] que micróbios primitivos poderiam consumir”, disse
Lumine.
“Isso não nos diz se existe vida lá ou não, apenas apoia
fortemente a teoria de um oceano capaz de sustentar vida.”
|
Uma abertura hidrotermal na Terra. (Imagem: NOAA) |
Também especulamos que ambientes de aberturas hidrotermais de fundo
de mar existam na lua de Júpiter, Europa. Essas aberturas são de
importância crítica para astrobiólogos, já que se sabe que elas são
capazes de sustentar ecossistemas inteiros aqui na Terra. Além do mais, a recente descoberta do que pode ser o fóssil mais antigo do mundo no Quebec sugere que a vida na Terra pode ter se originado ao redor de aberturas hidrotermais.
“A descoberta de H2 completa os motivos de termos que voltar para
Encélado para procurar vida”, disse Lunine.
“A descoberta de hidrogênio
molecular nativo completa o conjunto do que eu chamaria de requerimentos
‘básicos’ para vida como a conhecemos: água líquida, moléculas
orgânicas, minerais e uma fonte acessível de energia ‘grátis’. O H2 nos
apresenta essa última necessidade.”
Felizmente, pode parecer mais fácil detectar sinais de vida nessa lua
do que achamos. Nós podemos potencialmente fazer isso apenas voando
através de uma pluma equipados com instrumentos mais modernos do que os
da Cassini (lembre-se, a Cassini foi lançada 20 anos atrás). Os
cientistas podem olhar para a química da pluma em maiores detalhes,
procurando sinais de vida molecular no oceanos abaixo da superfície; em
outras palavras, nós deixaríamos o oceano vir até nós. Isso basicamente
descreve a missão Enceladus Life Finder
(ELF), que não envolveria nenhum pouso, perfuração ou derretimento,
apenas cerca de dez mergulhos nas atraentes plumas do polo sul de
Encélado.
“Então Encélado é, na minha opinião, o melhor lugar além da Terra
para procurarmos por vida, um oceano demonstradamente habitável que está
sendo espirrado no espaço para nós experimentarmos”, Lumine disse ao
site Gizmodo.
“O que estamos esperando?”
Fonte: Gizmodo